Facebook: (In)Voluntariedades, gerações e a manutenção dos laços familiares

Andressa Nunes Soilo
8 min readAug 12, 2020

Por Andressa Soilo e Diéssica Gaige

Inspiradas na fala e nas pesquisas no campo da Antropologia Digital da professora Laura Graziela Gomes (UFF), apresentadas no 3º Ciclo de Palestras do NEMO (Núcleo de Estudos da Modernidade), iniciamos uma reflexão sobre os usos voluntários e involuntários das mídias sociais.

Palestra da Professora Laura Graziela Gomes no 3º Ciclo de Palestras do NEMO (Núcleo de Estudos da Modernidade)

Por usos voluntários queremos nos referir à participação espontânea dos usuários às redes, ou seja, quando alguém interage com alguma plataforma porque sente que quer estar lá. Já como usos involuntários nos referimos àqueles que fazem uso de uma rede social somente porque (ou em grande medida porque) sente-se socialmente pressionado a participar desta.

Neste texto, o foco de nossa reflexão se encontra nesta última categoria de (in)voluntariedade, uma voluntariedade parcial, subordinada a eventos e arranjos sociais que moldam as escolhas dos usos do digital.

Nos dedicamos a observar manifestações dos usos considerados involuntários a partir dos elos familiares presentes no Facebook. Percebemos, em conversas com conhecidos, amigos, parentes, e mesmo em observações no campo online, que muitos usuários do Facebook mantêm seus perfis ativos em tal rede em função de seus papéis sociais enquanto filhos/filhas, netos/netas, sobrinhos/sobrinhas. Ou seja, o Facebook se apresentava a nós como mantenedor de laços familiares em certo nível.

De tais observações, algumas questões surgiram. Como pessoas que moram em ruas, bairros, cidades, países e continentes diversos de seus parentes compreendem o Facebook como um local de aproximação e de afeto? Como o utilizam para a manutenção dos laços de parentesco?

No livro Tales from Facebook (2011), o autor Daniel Miller já estimulava a reflexão sobre o uso dessa mídia como uma manifestação local de comunidade. Miller encorajava olharmos para o Facebook como um ambiente oportunizador da criação de relações, mas também como um espaço em que estas podem ser mantidas desde outras esferas da vida de um indivíduo.

A pesquisa de Miller traz o caso de Trinidad, uma ilha caribenha em que o Facebook se tornou conhecido pela população nativa como Fasbook. Em Trinidad, o uso de tal rede para organização e manutenção dos laços familiares se mostraram elementares ao longo de sua pesquisa. O autor apontou que, embora houvesse uma tentativa estratégica de homogeneização dos usos do digital, seria mais prudente levarmos em consideração a existência de apropriações de plataformas que podem ser ressignificadas dependendo do contexto local.

Mas retomando nossa fala inicial, nossa pretensão com este texto não é a de uma produção científica. O que fazemos é simplesmente um “suspiro etnográfico” — expressão utilizada pela professora Neusa Cavedon para designar uma etnografia que não consiste em uma “etnografia de verdade”, já que não apresenta alguns requisitos considerados essenciais do fazer etnográfico como: longo período de tempo junto ao grupo estudado, intensas reflexões teóricas, sistematização de dados em diários de campo, entre outros pressupostos comumente atrelados à prática da etnografia.

Assim, buscamos aqui apenas refletir antropologicamente sobre um assunto que nos desperta a atenção, mesmo que ambas já tenhamos trabalhado com etnografias digitais, online, no, do e através das mídias sociais.

Obrigações e Afetos

Photo by NeONBRAND on Unsplash

As propostas de interação e compartilhamento de informação do Facebook são cada vez mais incorporadas ao domínio familiar, especialmente quando seus membros não vivem (mais) sob o mesmo teto. A exposição de fotos junto a familiares — como se mostrassem ao público um álbum de fotos com entes queridos — , de mensagens de carinho, lembranças e homenagens direcionadas àqueles que integram um círculo familiar, comunicam mais que o simples uso dos recursos das plataformas, comunicam a preservação dos laços familiares.

Tais formatos de relações de parentesco que se instauram em redes sociais são permeados por jogos de voluntariedade/involuntariedade, inclusão/exclusão, obrigação/desobrigação, direito/dever. Em suma, esforços para a manutenção dos laços familiares são realizados na arena das redes sociais. É a partir delas que estes laços encontram, cada vez mais, um meio de se reforçarem.

Em nossas observações, o Facebook foi percebido como uma rede que exerce certa obrigatoriedade de uso em função dos vínculos familiares. Suas presenças nessa rede não decorriam simplesmente de suas vontades, mas de algo maior, derivavam de compromissos e responsabilidades decorrentes de seus papéis sociais dentro de uma unidade familiar.

Sentir-se “obrigado” a fazer parte do Facebook decorre da sensação de ser compelido, forçado em certo nível, a manter um perfil ativo e a participar dos arranjos dessa plataforma. Assim como decorre da percepção de estar cumprindo obrigações decorrentes de seu papel junto ao círculo familiar — participar, “ficar junto” e interagir com familiares nessa rede.

Destacamos que, essa obrigação perante redes sociais tomou contornos mais intensos com a inserção dos idosos nos usos de tais plataformas. Como mostra a pesquisa de Gaige (2017), os usos das mídias por idosos representam a estes uma maneira de se verem e de se sentirem cidadãos ativos.

Ou seja, apesar de os observados e entrevistados manifestarem expressões como “sou obrigado”, “tenho que”, “só uso porque” para se referirem a suas participações familiares no Facebook, tal rede representa uma continuidade, uma manutenção do grupo familiar a que fazem parte. Assim como uma conservação dos atributos e qualidades que permeiam esse círculo, como solidariedade, afeto, segurança, mas também exercício de sua cidadania digital.

O Facebook se apresenta como um dos locais de encontro para performar os papéis sociais de filho/filha, pai/mãe, avô/avó, etc. Estes encontros são dotados de conteúdo de diversas ordens, como o compartilhamento do cotidiano, de interesses, de fofocas, de palavras e imagens que remetem a carinho. Composições que integram dinâmicas sociais familiares e que reproduzem sistemas de atitudes e códigos entre aqueles que pertencem a uma unidade familiar.

As relações de parentesco demarcam comportamentos, pressupõem atitudes e responsabilidades de seus membros. Há uma distribuição de direitos e deveres entre cada participante que deve ser mantida para a conservação dos laços familiares. No caso observado, pertencer às redes sociais para interagir com familiares é um modo de cumprir com os deveres de quem faz parte de um círculo de afeto. Pertencer às redes é encontrar, estar junto, estar em potencial alcance, mostrar-se solidário, para oferecer e solicitar cuidado, carinho e segurança.

Foi possível identificar em nossas observações que o uso “contrariado” do Facebook representa um modo dos observados se manterem incluídos no círculo afetivo e preservarem seus vínculos.

Família, família…

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Sandro, 23 anos, relata que só usava o Facebook para se atualizar sobre as novidades de sua família por meio de seu pai. Contudo, a plataforma também permite engajamentos que vão além da troca de informações sobre novidades. Sandro relata que trocava memes com seu pai. Essa troca tinha como função divertir um ao outro. Eles escolhiam uma imagem jocosa que sabiam que causaria divertimento e prazer ao outro, e levavam para o espaço das mensagens espontâneas.

Também trocavam vídeos de músicas que sabiam que o outro iria gostar, assim como notícias sobre política, assunto de interesse mútuo. Sandro menciona que os tópicos que tratavam na rede, mesmo os mais frívolos, eram retomados no campo offline. Para ele e seu pai, o Facebook simboliza um espaço de estreitamento e de atualização dos laços familiares.

“Eu só estava no FB (Facebook) pra falar com meu pai. Mas ele não sabia compartilhar as coisas direito. Eu pedia pra ele olhar no meu feed, ou ele pedia pra eu olhar no feed dele alguma coisa. Ele usava a página de perfil dele como se fosse página de favoritos, compartilhava tudo o que ele gostava ali (risos). Ele mandava umas coisas legais tipo vídeos de músicos que gostamos, ou alguma coisa de política. Depois a gente conversava sobre o que era compartilhado em uma chamada de vídeo. Era tipo drops de conteúdo para virar assunto de conversa”.

É interessante notar que a fala de Sandro perpassa todo um processo de aprendizagem das mídias sociais, que acontece devido a uma relação que é intergeracional. Ou seja, no que tange a familiaridade com as tecnologias digitais, vemos que o filho é quem está ensinando ao pai, e não o inverso. Não dominar as “etiquetas” do compartilhamento de conteúdo, e mesmo usar o perfil como espaço “para guardar” o que gosta, se tornou uma prática bastante comum entre gerações mais antigas junto ao digital.

Já Adriana, 33 anos, nos disse que detesta o Facebook. Mas devido à sua atual residência restar em outro país, e estar longe de sua família, usa o messenger para se comunicar com seus parentes mais velhos. De acordo com a interlocutora, seus familiares de idade mais avançada só conhecem o Facebook:

“Tenho parentes pelo mundo. A única plataforma onde estão todos é o Facebook. Eu detesto, mas tô lá por isso.”

Outro exemplo é o de Fábio, 17 anos, que também nos relatou ter sua participação no Facebook “condicionada” por seus familiares mais velhos. Fábio declara que sua relação com estes seria quase nula se não fosse a plataforma.

“Os familiares, por serem mais velhos e tals, ficam mais pelo face e no whatsapp (que eu uso basicamente pra falar com a minha mãe e a minha tia, que mora em outra cidade e não podemos visitar) e eu me comunico com elas por lá. Até lá sou meio monossilábico. Se eu saísse do Facebook minha relação com eles seria praticamente nula. Eu não veria as fotos deles, não saberia como estão; teria que conversar ativamente pessoalmente ou talvez ligar, ao invés de apenas assistir de longe. Ou viraria o primo sumido (risos)”.

Espaço Intergeracional de Comunicação

Desenho elaborado por Diéssica Gaige.

Em 2015, o Comitê Gestor da Internet no Brasil realizou uma pesquisa destacando o aumento dos usuários de internet com idade entre 45–59 anos. 53% das pessoas desta faixa etária faziam uso online por meio do computador e do celular. Àqueles com mais de 60 anos, foi constatado que 72% ainda usava serviços de SMS, e 56% participava de redes sociais como Facebook. Basicamente… não temos como fugir dos nossos avôs e avós nas redes sociais.

Tornou-se comum, nas falas entre os mais jovens, que o Facebook está antiquado, habitado por pessoas “mais velhas”. Expressões como “tia do Face”, ou mesmo memes satirizando idosos na internet, eclodiram nos últimos tempos para caracterizar determinados comportamentos desse grupo nas plataformas digitais.

Publicação da conta @divadepressao no Instagram.

É interessante apontar que, há alguns anos, estar conectado estaria mais associado ao imaginário de uma juventude. Mas com a popularização da Internet e principalmente dos smartphones, presenciamos outras formas de experienciar as redes sociais.

A reflexão que fizemos sugere que estar nos espaços digitais como o Facebook, envolve não somente presenças voluntárias, mas também involuntárias. As razões que levam pessoas a se inserirem nas mídias sociais são diversas. Buscamos ressaltar aqui as razões que envolvem a permanência dos laços familiares e que perpassam a necessidade da comunicação intergeracional. Por entre usos tecnológicos e obrigações familiares, o Facebook passa, cada vez mais, a se apresentar como um espaço que conecta e conserva gerações e laços familiares.

Referências:

GAIGE, Diessica Shaiene. (2017) “Devagarinho a gente pega o jeito”: um estudo antropológico sobre envelhecimento e mídias digitais. Santa Maria, dissertação de mestrado, Universidade Federal de Santa Maria.

MILLER, D. Tales from Facebook. Polity Press, Cambridge, 2011.

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Andressa Nunes Soilo

Social anthropologist researching digital piracy and streaming technology. E-mail: andressansoilo@outlook.com